Segunda-feira, 3 de Dezembro de 2007

Mais vozes se levantam...

"Escolhi ser professora de forma livre, consciente, apaixonada. Sonhava, desde miúda, com livros cheios de mistérios para desvendar, olhares curiosos, interactividade e ambientes constantemente renovados. No início da minha carreira, há mais de vinte anos! Cada novo ano vestia-se de curiosa ansiedade.
Fazia planos, idealizava actividades, projectava tarefas, concretizava climas de aprendizagem e, embora trabalhasse muito, sentia-me gratificada pelo meu desempenho. Lembro ainda os alunos, tantos! Sei-lhes o olhar, ainda que tenha esquecido os nomes.
No meu ano de estágio, senti-me realizada profissionalmente! O que eu aprendi! Como era fantástico, ao fim da tarde, juntarmo-nos para, em grupo de trabalho, analisarmos práticas, reformularmos, partilharmos ideias sob a orientação sábia mas muito amiga das Dr.ªGraciete Leitão e Leonor Ferreira. Não nos reuníamos para nos lamentarmos, para nos agredirmos, para temermos a avaliação. Não! Eram momentos de efectiva partilha e aprendizagem. Então, era bom ser professora. Era, para mim, na época a viver um momento pessoal muito difícil, um privilégio poder ser professora.
Os tempos correram, depressa demais para o meu gosto, e, hoje, olho com profunda tristeza o meu quotidiano profissional.
Não pretendo que ninguém tenha pena de mim, quem tem pena é galinha e eu até detesto penosas! Mas apetece-me partilhar angústias e este é o espaço onde, por enquanto, a minha essência pode correr livre de pressões ou receios.
Hoje, ser professor é ser-se humilhado, agredido, menosprezado quase diariamente. A ministra da educação, a sua equipa, o próprio primeiro-ministro, têm revelado total desprezo pelos professores, e têm conseguido virar a opinião pública contra aqueles que são as peças fundamentais da construção de um país.
Para se ser um bom professor, não tenho dúvidas, é preciso, para além de uma consistente formação científica de base, ter-se autoridade, autonomia e respeito. Nada disto Portugal dá aos professores! Hoje, neste Portugal que nos escurece a visão agitando a bandeira europeia, as escolas, as públicas, são, frequentemente, o depósito de miúdos a quem os professores devem ensinar.
Estes miúdos não são mais, como há 40 anos, gente que reconhece o valor do saber, gente que reconhece a autoridade do adulto. Muitas vezes, são apenas miúdos que cresceram com a televisão como referência, sozinhos com o computador, sem hábitos de trabalho ou sequer sem regras mínimas de socialização. A estes miúdos, diz a televisão (e por vezes os pais) que a escola é uma porcaria e o professor, ou professores, um funcionário pago para os aturar. Aos professores de hoje, dá-se um horário cheio de tempos de coisa nenhuma, camuflados por siglas pomposas, para lhes lembrar que são funcionários públicos e, por isso apenas, devem permanecer no local de trabalho um x número de horas por semana.
A estes mesmos professores, exige-se que cumpram programas que, frequentemente, são excessivamente teóricos, obsoletos e longos. A estes mesmos professores, que por acaso até são pessoas também e têm vida particular, exige-se que mudem todos os anos de quarto alugado, que abandonem filhos e família, que façam quilómetros sem fim para, apenas, não perderem o emprego. Aos mesmos professores, retira-se a autoridade conferindo, aos alunos, o poder de fazerem o que mais lhe apetecer. Pede-se aos professores que registem, de preferência diariamente, as faltas dos alunos, que as enviem aos pais para que  as mesmas possam ser justificadas! A estes professores chama-se medíocres e nabos quando, ao publicarem-se os rankings, se mostra que as escolas privadas são melhores do que as públicas!
Portugal é um país que não merece os professores que tem. Com certeza haverá maus professores. Há maus profissionais em todas as áreas. Mas não são, de certeza, a maioria. A maioria dos professores portugueses devia ser condecorada pela resistência, pela capacidade de sobrevivência, pela Arte de constante renovação da esperança. Às escolas de hoje, às públicas claro, exige-se tudo: - Que se ensine, que se eduque, que se acompanhem alunos, que se giram diferenças, que se encontrem estratégias para combater desinteresse, insucesso, consumos de drogas, consumo de tabaco, sinais de esquizofrenia, problemas familiares, práticas sexuais de risco, etc. Nas escolas de hoje há clubes de saúde, clubes europeus, clubes de solidariedade, clubes de alimentação, clubes de ciência, clubes de tudo aquilo que se possa imaginar porque, na escola de hoje, cabe tudo! Só começa a não haver espaço para se ser professor."

opinião in  O Distrito de Portalegre  | Maria Luísa Moreira
publicado por daplanicie às 17:07

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De feira de castro a 4 de Dezembro de 2007 às 00:23
Boa noite

E é bom que assim seja: não lhes podemos dar satisfação de nos calarem as vozes.
Nunca, desde o fim da ditadura, houve ataque tão cerrado aos direitos de quem trabalha e, de entre estes, aos que trabalham para o Estado.`Há que denunciar, sempre, a demagogia, o cinismo e hipocrisia com que nos contam contos cor-de-rosa.
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