Levanto-me e já não o faço com a ligeireza de outrora. As costas vergadas e doridas gritam a plenos pulmões, não sei se vergadas do colchão ou dos anos ou de tudo junto.
Vou até à casa de banho. Olho-me no espelho e ele, sem piedade revela na cara daquela que me retribui o olhar, algumas rugas e outras marcas que o tempo gravou. Bem, não sei se foi bem o tempo que as gravou, pois as rugas são efeito dos trabalhos, das canseiras da vida e da labuta diária.
Há muito tempo que não me dou bem com esse outro eu que aparece diariamente do outro lado do espelho e me estampa na cara outra cara, todos os dias igual, todos os dias diferente. Mais cansada, mais baça, mais triste, menos bonita, que é uma forma atenuada de dizer mais feia. É mesmo impiedoso, este outro eu.
Arrasto-me até ao chuveiro e a água quente faz-me acordar e restitui-me alguma energia, às vezes fazendo-me esquecer a imagem do espelho. Quando estou mesmo bem disposta, cantarolo desafinadamente.
Outras vezes fico a matutar onde teria ido parar aquela jovem que aparecia há uns anos no outro lado do espelho. Evaporou-se por aí, sem ter pedido autorização para partir. Sem ter sequer avisado que se ia ausentar para sempre. Perdeu-se, a pouco e pouco, tal como se perdem as folhas das árvores no Outono. Mas, ao contrário delas, que nascem de novo na Primavera, nunca mais voltará.
Eu fui mudando, não só por minha vontade, mas também pela força das circunstâncias. Digo isto porque as circunstâncias têm sempre muita força, muito mais do que nós. Deixei para trás as intenções que tinha de conseguir mudar o mundo e mudei eu, adaptando-me ao mundo.
Fico a pensar em tudo o que vivi e penso se tudo terá valido a pena. Perdi algumas coisas. Ganhei outras. O importante, verdadeiramente, é a forma como valorizamos o que ganhamos e desvalorizamos o que perdemos, não lhe dando grande importância. Colocarmo-nos um pouco de lado, deixar passar e não nos pormos no centro de tudo.
Uma simples flor pode valer um milhão, se nos fizer sorrir. Um sorriso de criança pode valer uma vida e eu já vi tantas crianças sorrir... Também já vi chorar algumas.
Há dias em que aceito a vida tal como ela é e deixo que o tempo passe por mim e leve o seu sopro para onde quiser. Às vezes nem sequer me apetece comunicar, o tédio toma conta de mim e só me apetece afastar-me de toda a gente. Outras vezes é o contrário, arrumo tudo o que me aflige no armazém da memória, geralmente na gaveta da nostalgia, e tenho sede de viver verdadeiramente. O importante é manter o equilíbrio entre essas duas formas de encarar a vida. Porque é no equilíbrio que reside o segredo de tudo. E já que a imagem de outrora nunca mais me retribuirá o olhar no espelho, é aprender a conviver com a actual. Que remédio!
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