Se um dia Deus nos dissesse: Tenho o poder de fazer-te dormir e sonhar eternamente sonhos felizes. A escolha é tua: ou ficar acordado, mortal e infeliz, ou adormecido, imortal e feliz, o que escolheríamos?
Se o ser humano procurasse apenas o prazer, se tudo se movesse pelo princípio do prazer, não há dúvida que deveríamos escolher o sonho. Contudo, experimentamos uma resistência, repugna-nos o adormecimento, parece-nos que a felicidade, no sonho, não é uma verdadeira felicidade, mas quase um sucedâneo. Não é próprio do homem ser feliz em sonho, queremos sê-lo acordados, na vida real. Mas que diferença faria para nós? Quando sonhamos não sabemos que sonhamos, a vida do sonho é subjectivamente real. Uma vez adormecidos, não podemos comparar. Mas é precisamente isso que nos perturba, o facto de não podemos acordar: isto é, de reconhecer o sonho como sonho, de distinguir a ilusão da realidade. Há decerto momentos na nossa vida em que aceitaríamos a proposta de Deus, nos momentos de dor, de tensão insuportável, ou quando nos atormenta o sofrimento físico. Estão gostaríamos de não ouvir mais nada, ou esquecer, e estaríamos dispostos a trocar a nossa pobre consciência por um sonho sereno. Algumas vezes estamos tão desesperados que desejaríamos mesmo a morte. Mas, salvo, estes períodos terríveis, há qualquer coisa que nos leva a querer estar conscientes. A nossa escolha vai instintivamente para a consciência. E os pontos mais altos da vida são também os momentos de mais alta consciência. O sono e o sonho podem ser um refúgio, um remédio, mas não um objectivo...